A minha prática baseia-se na íntima convicção, consolidada com o tempo, de que múltiplos fatores interagem para resultar em uma determinada desordem de comunicação. Caminhamos para um consenso de que, ao se procurar explicar os diferentes distúrbios de comunicação, converge-se cada vez mais para os chamados modelos multifatoriais. Essa visão interacionista que se aplica aos diversos transtornos de desenvolvimento como é o caso da gagueira, do atraso de fala, da fissura lábio-palatina e da dificuldade de aquisição da comunicação escrita, preconiza a existência de um organismo que já é, por si mesmo, predisposto ou propenso a determinada desordem e que, ao interagir com fatores externos propícios, acaba por manifestar o problema. Essa forma de abordar os distúrbios da comunicação é bastante saudável e otimista em sua natureza. Na medida em que uma causa única não pode ser identificada, o indivíduo predisposto a apresentar um quadro de atraso de linguagem não está simplesmente condenado à isso. Seu ambiente atuante e estimulador o transforma. Ele próprio, consciente de sua condição, se transforma. Por outro lado, a predisposição genética que vem sendo evidenciada nas pesquisas relativas aos distúrbios da comunicação (como a gagueira, os atrasos de linguagem) isenta os pais da culpa, ou seja, de que “seu ambiente” ou sua conduta para com sua criança sejam os “causadores” do problema. Entender os transtornos da comunicação dessa forma leva o fonoaudiólogo a ultrapassar o modelo médico, sobre o qual a fonoaudiologia sempre esteve pautada, e a tornar-se muito mais próximo da família junto a qual ele intervém. Sua atuação se volta aos sintomas identificáveis e passíveis de tratamento em um trabalho de parceria (“partnership”) em que familiares, muitas vezes no ambiente natural do indivíduo, passam a compreender e a atuar como interlocutor principal/interventores diretos. O processo de mudança A fonoaudiologia não tem medicação a oferecer. Toda mudança advém do desejo e da determinação do indivíduo (ou da família do indivíduo) em adequar seu padrão comunicativo. Análogo a qualquer processo de mudança a que alguém se propõe, o primeiro passo é o de identificar o que deve ser mudado. Nem sempre a identificação do problema de audição/fala/voz/linguagem a ser resolvido é uma questão de fácil acesso ao indivíduo. O fonoaudiólogo facilita esse processo e, uma vez definido o comportamento a ser modificado, com base no processo normal de produção de fala e linguagem, esse profissional sempre vai ter proposições/orientações sobre o que fazer. Prognóstico A eficácia da intervenção fonoaudiológica é uma preocupação que não se restringe ao indivíduo que se envolve em um tratamento, ou à seguradora que é, com freqüência, a parte pagante do serviço. A eficácia do tratamento é preocupação maior do profissional da linguagem e tem se tornado cada vez mais o “nosso objeto de estudo”, seja na aplicação de uma técnica e o exame dos resultados alcançados, seja na comparação científica de dois ou mais procedimentos clínicos. Nossa experiência indica que, como já se poderia supor, quanto mais grave o problema, pior seu prognóstico. Indivíduos acometidos de maneira abrangente no seu quadro de linguagem, seja em decorrência de uma afasia adquirida, de uma deficiência auditiva congênita severa ou de uma deficiência mental muito grave, têm prognóstico menos promissor e um trabalho de longo prazo pela frente. O mais importante, entretanto, é se ter em mente que quanto mais cedo ocorre a intervenção, melhores serão os resultados. Para mim, o profissional da linguagem deve ser um sujeito que absorve, durante as diferentes etapas de sua vida e do seu processo de aprendizado, as mais variadas influências. Nenhum clínico repetirá jamais as mesmas práticas de outros, daí resultando a formação de um estilo pessoal e peculiar a cada um. Minha prática é, assim, o resultado do meu consciente que armazenou e absorveu as mais variadas influências, selecionando-as e filtrando-as. A maior lição que tive foi a de re-aprender a Fonoaudiologia em uma outra língua. Ao estudar problemas de fala, voz, audição e linguagem no nível do Mestrado comentava, frequentemente, com meu orientador científico que a face de meus antigos clientes vinham a minha mente em decorrência dessa minha experiência lingüística. Ao procurar me comunicar e resolver problemas em uma segunda língua lembrava-me daquele indivíduo afásico, com intento de fala, que não conseguia cumprir sua tarefa comunicativa porque determinada palavra não era recuperada à mente ou simplesmente não vinha à boca. Sentia-me como devia se sentir aquele meu cliente D.A. (deficiente auditivo) quando eu não conseguia distinguir entre duas vogais do inglês simplesmente porque estas não faziam parte do meu sistema fonológico; ou ainda quando eu pedia pela repetição do que foi dito por simplesmente não entender a proposição. Sem contar que me sentia como uma criança com distúrbio de fala, visto as substituições que eu produzia quando determinado fone não fazia parte do meu repertório. Para dimensionar a dificuldade que experimenta um sujeito com problema de comunicação torna-se simples se seu interlocutor imaginar a si próprio estar exposto a uma língua estrangeira ou a um dialeto para ele ainda desconhecido. Os sons ou segmentos da fala soam estranhos e sem significado; a velocidade da fala do outro parece sempre muito acelerada; não lhe é possível identificar onde começa e onde termina uma palavra ou frase. E ainda, ao tentar reproduzir, os movimentos se embolam na boca ou o resultado sonoro realizado nem de longe se aproxima da imagem sonora, interna e desejada. Os autores que mais me influenciaram foram Jonh Travis, Van Riper, Wendell Johnson, Dean Williams, Doren Pollack, J. Logman. Arthur Lessac. São eles que foram capazes de propor toda uma área de conhecimento, tributo este que poucos lhes prestam, outros plagiam (ou ficam a redescobrir a pólvora), impedindo com isso a construção de uma tradição mais elevada. Minha prática vai em busca desta fonte que tem me seduzido ao longo do tempo e que me incita a agir dentro de sua perspectiva. Procuro ser uma inventora de atividades comunicativas, movida pelo interesse e por um irresistível impulso interior de criar minha própria técnica, síntese de minhas experiências e organizadas por uma formação teórica, a mais rigorosa possível. Quero tornar vivas minhas intuições, meus sonhos e os meus planos diários, tornando-os dignos de se acreditar que valem a pena serem executados e possuem força suficiente para tornarem melhor a vida de quem os compartilhar comigo. Bernadette von Atzingen Santos Cardoso
|